Paulo e as Obras da Lei
Em
algumas ocasiões nos escritos da Nova Aliança o apóstolo Paulo utiliza a
expressão “obras da lei” (carta aos Romanos cap. 03 e aos Gálatas cap.
02 e 03). Em todas essas citações a expressão é usada negativamente, sendo algo
a ser evitado por todo servo verdadeiro de Deus através de Yeshua (Jesus).
Porém, a má interpretação e a descontextualização dos textos paulinos onde essa
expressão é mencionada, gerou e tem gerado nos meios teológicos cristãos (e
também judaicos) um falso conceito que Paulo era contrário à Torá e a sua
obediência. Tal conceito errôneo gerou na teologia cristã uma pré-concepção ANTINOMISTA
(anti-Lei ou anti-Torá) e também ANTISSEMITA, onde todos os textos
neo-testamentários são interpretados partindo-se desse pressuposto. Não só
isso, mas o meio judaico tradicional aceitou do cristianismo a percepção e
interpretação do fariseu Shaul (Paulo), gerando também no judaísmo o falso
conceito que Paulo foi contra a Torá e a guarda dos mandamentos. Além disso,
uma grande confusão surge quando confrontamos a interpretação cristã clássica
de Paulo em relação à Lei de Moisés, com alguns de seus ensinamentos sobre a
Lei, tais como Rm 7:12-14, e outros. Como ele pode dizer que a Lei é santa,
espiritual e boa, e em outras passagens se referir a ela como “maldição”? Teria
ele se rebelado contra seu mestre e salvador (Yeshua), ao afirmar que a lei foi
abolida? (Pois Yeshua foi claro ao afirmar que: “não vim ABOLIR a Lei ou os
profetas. Vim torná-los plenos! – Mt 5:17). Teria sido o apóstolo Paulo
acometido por algum tipo de esquizofrenia ou bipolaridade? Certamente que não!
O problema não está em Paulo, mas sim, na forma de se LER Paulo.
A
expressão “Obras da Lei” é mais antiga do que o próprio Paulo. Ela já foi
utilizada pela comunidade de Qumran quase dois séculos antes de Cristo, como
atestam os pergaminhos do Mar Morto descobertos no século passado. Em um dos
rolos temos o título “Mikssát Maassêi ha Torá“, ou “As importantes
obras da Lei”. Devido a este nome, esse pergaminho é simplesmente conhecido
como “MMT ou 4QMMT”. Nele, há mais de 20 regras haláchquicas sobre purificação,
incluindo citações de mandamentos da Torá e principalmente INTERPRETAÇÕES e
COMPLEMENTOS de tais mandamentos Mosaicos. Há também regras que excluíam as
oferendas dos gentios e os próprios gentios de participarem das atividades do
Templo em Jerusalém. O estudo deste documento trouxe grande luz à interpretação
do Apóstolo Paulo e seu posicionamento em relação à Torá ou Lei de Moisés.
Fragmento do pergaminho 4QMMT, também chamado de “Importantes Obras da Lei” – Qumran – Israel, séc. II a.C.
Baseados
no testemunho do próprio Paulo e em alguns de seus discursos de defesa, sabemos
que ele não era contra os mandamentos da Torá. Os próprios apóstolos, em
Jerusalém, dão um testemunho sólido e irrefutável da conduta de Paulo em
relação à Lei de Moisés: “…e saberão todos que não é verdade o que se
diz a teu respeito (que pregas contra a Lei) e que, pelo contrário, andas
também, tu mesmo, GUARDANDO a lei.”(At 21:24). Já que Paulo não era
contra a Torá, como ele poderia ser contra as “Obras da Torá”? Bem, com a
leitura do antigo documento judaico da seita do Mar Morto e interpretando os
ensinos de Paulo em seu contexto original, concluímos que Paulo não era contra
a Torá ou a obediência a ela, mas sim, contra as INTERPOLAÇÕES E INTERPRETAÇÕES
legalísticas que eram contrários à própria Torá (os quais são descritos no
documento “Mikssat Maassêi ha Torá“). Ao usar a expressão “Obras da
Lei”, Paulo refere-se a uma ideologia muito comum entre judeus e
gentios simpatizantes do judaísmo, a saber, que a simples obediência ao
mandamento justificaria o praticante perante Deus. Isso é também chamado de
“legalismo”. O legalismo é a desobediência a Deus utilizando-se para isso a
própria Torá.
A
guarda do mandamento, sem a Fé e o coração circunciso, não beneficia em nada ao
homem. Pelo contrário, afasta o homem de Deus ao passar a falsa ideia que a
simples guarda do mandamento (sem a correta kavaná – intenção do coração e fé)
justifica o praticante. Esse é o conteúdo da exortação divina através do
profeta Isaías:
“De
que me serve a mim a multidão de vossos sacrifícios? — diz o SENHOR. Estou
farto dos holocaustos de carneiros e da gordura de animais cevados e não me
agrado do sangue de novilhos, nem de cordeiros, nem de bodes.(…) Não continueis
a trazer ofertas vãs; o incenso é para mim abominação, e também as Festas da
Lua Nova, os sábados, e a convocação das congregações; não posso suportar
INIQUIDADE associada ao ajuntamento solene. (…) Pelo que, quando estendeis as
mãos, escondo de vós os olhos; sim, quando multiplicais as vossas orações, não
as ouço, porque as vossas mãos estão cheias de sangue. Lavai-vos,
purificai-vos, tirai a maldade de vossos atos de diante dos meus olhos; cessai
de fazer o mal. Aprendei a fazer o bem; atendei à justiça, repreendei ao
opressor; defendei o direito do órfão, pleiteai a causa das viúvas.” (Is 1:11-17).
Nota-se
que Deus não está sendo contrário a tais mandamentos, pois Ele mesmo os deu ao
povo como ESTATUTO PERPÉTUO, sendo mandamentos para a VIDA. (Dt 30:19-20).
Porém, apenas a prática de tais preceitos sem a busca por um coração
circuncidado e com sede de justiça, faz com que tal obediência não seja
recebida por Deus. Na verdade, tal prática é prejudicial ao homem. É isso que o
próprio Paulo quer dizer quando usa a expressão “LETRA”, referindo-se à
cega obediência da Torá sem um estado interior e exterior condizentes: “…o
qual nos habilitou para sermos ministros de uma nova aliança, não da letra, mas
do espírito; porque a letra mata, mas o espírito vivifica”. (2
Co 3:6). Assim, contrariando a interpretação normativa cristã dessa
passagem, Paulo não estava atestando que a Torá “mata” (pois estaria condenando
a si mesmo), mas sim, que a FORMA como a Torá é guardada e interpretada é que
pode roubar a vida do homem.
Portanto,
a mesma Torá (Lei) que é benção para uns, pode ser maldição para
outros: “E o mandamento que me fora para vida, verifiquei que
este mesmo se me tornou para morte” (Rm 7:10). Paulo aqui atesta que
já fora escravo da LETRA e das “OBRAS DA LEI”, pois sua busca pela pureza da
religião e zelo pelas tradições endureceram-lhe e cegaram-lhe o coração,
impedindo-o discernir o Messias contido na própria Torá. Na verdade, a
aceitação ou não da obediência do homem em relação à Lei de Deus dependerá da
fé e do estado do coração do ofertante (Rm 2:28-29). A fé SEMPRE DEVE VIR ANTES
do mandamento, e não o contrário (Rm 4:9-15). É como eu sempre digo: “Não
obedeço para ser SALVO, obedeço pois SOU salvo.” Essa frase expressa o
contraste de MOTIVAÇÃO ao se obedecer a Deus.
No
pergaminho MMT do Mar Morto, são ordenados exclusivamente os mandamentos e
interpretações de mandamentos sem nenhuma ênfase à mudança de atitude ou de um
coração correto diante de Deus. Além disso, são declaradas “halachôt” (dogmas)
que humilhavam os gentios e os afastavam do templo (como o tal ‘muro da
separação’ que Paulo se refere em Ef 2:14). A essa “falsa obediência” e aos
dogmas que afastavam os gentios do Reino de Deus, Paulo deu o nome de “OBRAS DA
LEI” ou simplesmente “LETRA”.
Paulo
não poderia ser contra a obediência a Torá, pois usou seu próprio testemunho
para atestar o contrário (At 24:14, 25:8). Ele também atesta que a Lei é
espiritual e boa, e o mandamento, santo, justo e bom (Rm 7:12-14). Não é a Torá
o problema, mas sim, o LUGAR onde a mesma está escrita. Na chamada NOVA
ALIANÇA, Deus utiliza a obra de Seu ungido para escrever a LEI (Torá) no
coração do Seu povo (Jr 31:31). Assim, todo servo do Deus de Israel e discípulo
de Yeshua deve fazer a si mesmo a seguinte pergunta: Onde está a Lei de Deus na
minha vida? Ou ela ainda está em pedras, longe e externa à minha natureza, ou
está escrita em meu coração, sendo parte da minha natureza. Quem tem ouvidos…
ouça!
Autor: Matheus Zandona Guimarães
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